sexta-feira, 10 de junho de 2022

“Os professores, a ciência, o povo da cultura e das artes viraram inimigos do projeto político em curso. Mas vai passar”

 Cena da Música Independente entrevista Claudio Salles



Foto: Facebook.


A música entrou na vida do jornalista, radialista, compositor, guitarrista e cantor Claudio Salles ainda na infância, em Campo Grande (MS). Criança nos anos 1970, não foi preciso muito esforço para adquirir bom gosto musical. Àquela época, a contracultura estava no auge: apesar de criança, Claudio ouvia, atentamente, o som dos artistas que chegavam, com fluidez, nas "vitrolas" da família Salles. No rádio e na TV, passavam nomes como Beatles; Secos e Molhados; Tim Maia; Raul Seixas; Chico Buarque e outros gigantes da música brasileira e internacional.

 

Aos oito anos, ele começou a aprender violão. Parou e voltou a tocar aos 13. Com 15, começou a compor e a tocar em festivais. A coisa foi crescendo.

 

Aos 16, mudou-se para Niterói (RJ), onde conheceu Claudio Zoli, Renato Roquete, Paulinho Guitarra, Zé Maurício, Arnaldo Brandão, Carlinhos Baixista e outros músicos que tocavam com a Banda Black Rio e Eduardo Dusek.

 

Era um grupo que já ensaiava na casa da avó, com seu primo, Lui, que tocava bateria. Trocando em miúdos: Claudio desembarcou em Niterói, no epicentro da melhor música que se fazia na região metropolitana do Rio de Janeiro.




Foto: Facebook


 

Daí em diante, o artista passou por diversas bandas. Chegou a tocar, por exemplo, com os irmãos Marcelo e Antônio Scobino, que acompanhavam Celso Blues Boy, em pleno início da efervescência do Rock Brasil, nos anos 1980. Salles viajava com Celso e banda. Ao gravar alguns trabalhos com o blueseiro, tornou-se, também, parceiro de composição do guitarrista - falecido em 2012.

 

Jornalista, Claudio Salles trabalhou na Rádio Fluminense FM – inclusive como produtor musical -, chegando ao cargo de coordenador; no que foi, para ele, “uma experiência enriquecedora”. Além da “Maldita”, Salles passou, também, pela extinta Globo FM. No final dos anos 1990, fundou a Rádio Pop Goiaba UFF, “que é um pouco o resultado de todas essas experiências”.

 

Nesta entrevista, ele nos conta um pouco sobre sua trajetória no mundo da música. Militante, Salles compartilha, com outros colegas músicos, a tese de que é necessário democratizar o acesso à renda para os trabalhadores do setor. Confira!

 

Quais são seus últimos trabalhos autorais? Estou finalizando um disco agora, com produção do baixista e produtor Daniel Cahon, que realiza, aqui em Niterói, o Sarau do Cahon. O álbum já está na mixagem, mas ainda não tem nome. Estamos decidindo entre “Depois do Caos”, “Vermelho é a Cor do Amor” e “A Felicidade é Guardada Pelos Cães”. Estou muito feliz com o resultado. São 10 canções, algumas novas e outras, nem tanto. Entre elas, destaco a música “A Cigana”, cuja letra é toda sobre cartas e baralhos do tarô; “Sana Contra os Dinossauros”, que fala sobre o Sana – um rock rural alegre, com letras de protesto e temática ambiental; “Depois do Caos, Paz”, sobre a Cantareira [espaço boêmio e cultural localizado entre o bairro do Gragoatá e o Centro de Niterói].

Outra canção importante é a “Zé do Baile”, que contou com o arranjo do baixista Arthur Maia e a voz da Elza Soares [falecidos, respectivamente, em dezembro de 2018 e em janeiro de 2022 ]. Elza nos emprestou a voz dela, mas ainda não a havíamos colocado no disco, que não estava finalizado. Agora, sim, a música está pronta.




Arthur Maia, Ney Matogrosso e Claudio Salles. Foto: Facebook.


 

Você circula bem no meio musical. Quais são os músicos que gravaram esse novo trabalho contigo? O álbum tem a participação do Cláudio Infante, na bateria - outro batera que participou foi o Ayres D`Athayde, músico daqui da cidade de Niterói. Na guitarra, o Fernando Caneca, que toca com a Marisa Monte; o saxofonista Marcelinho Martins, do Caetano Veloso, do Djavan e dos Titãs; o Marlon Sette, da banda do Jorge Ben Jor, no trombone; o Vladimir Souza, tecladista do Zé Ramalho; o Francisco Chagas, que tocou teclado e acordeom com a Cássia Eller; o Carlos Malta, flautista do Hermeto Pascoal; além de Marcelo Bernardo, que tocou com o Chico Buarque. Um time de primeira, que faz parte das minhas principais influências musicais, e tocam em quase todas as faixas do disco, que será lançado, provavelmente, nos próximos dois meses.

 

 

Como você avalia o cenário musical de Niterói, mais especificamente para os artistas autorais e independentes? Difícil, assim como em qualquer lugar do Brasil e, talvez, do mundo. Houve uma mudança muito grande no mercado da música, que também nunca foi fácil. Niterói, especificamente, não tem nenhuma rádio e TV. Não há uma mídia que impulsione os seus artistas, nem tampouco empresários que invistam em grandes casas de shows. Então, se dependermos apenas da iniciativa privada, sem rádio nem televisão, é bem difícil. Nesse sentido, precisamos contar com a força dos governos estadual e municipal para que a coisa aconteça. É bem difícil.





 

Niterói é uma cidade que tem muitos músicos e compositores. Que artistas merecem destaque, atualmente? Sim. Tem o Gilber T; o Ricardo Mansur; o Fred Martins; o Claus Mozi; o Paulo Beto; a Daíra; a Amanda Chaves (NegaAmanda); a Zezé Rocha – que canta comigo no disco -; a Madá; a Germana Guilhermme – que atualmente mora no Rio -; o De Leve; o Ivo Vargas; o Luís Capucho; o Vinícius Araxá... Entre outros... É muita gente fazendo canção bacana! A cidade tem muitos cantores e compositores de excelência, que moram aqui. Há uma tradição de música instrumental muito forte também, do Jazz, da MPB, do Rock, da Soul Music, da música negra brasileira. Como falei, está difícil para todo mundo e tem essa especificidade de sermos de uma cidade que carece de rádio, TV e casas de shows. Mas o artista não pode ficar pensando apenas no seu próprio município para sobreviver. É fundamental ter uma visão mais cosmopolita da carreira.

 

O que você sugere para que o músico brasileiro possa de fato viver exclusivamente da sua arte? Ele tem que colocar o pé na estrada e precisa de uma visão ampla, cosmopolita. Nunca foi fácil. Hoje em dia, não basta fazer apenas música: sem clipe e uma gestão das redes sociais, o trabalho não vai para frente. Mas nem todo mundo tem essa capacidade de gerenciamento da carreira. Às vezes, a pessoa é um grande artista, mas faltam aqueles complementos para atingir o público. Por exemplo: outro dia, fiquei muito triste, porque vi um grande músico, violonista de chorinho de Niterói, trabalhando como entregador, de bicicleta. É muito difícil.

 

A Internet ajuda ou atrapalha, no processo de divulgação e remuneração dos artistas? O Google e as redes sociais deveriam pagar melhor. Essas operadoras de celular, de Internet, são grandes grupos empresariais, que acumulam e concentram muita riqueza. Já conversei sobre isso com o Marcelo Yuka (ex-baterista do Rappa, falecido em 2019), que foi um grande incentivador desse debate, de se buscar soluções, de direitos autorais... Os streamings, como o Spotify, também pagam muito mal – apesar de seus donos serem muito ricos. Teria de haver uma distribuição de renda maior. Se o mote é informação e entretenimento, o artista deve ser mais bem remunerado.




Foto: André Misse


 

Como furar a bolha do mainstream e fazer com que artistas que não fazem parte dos "queridinhos da mídia" sejam escutados? Isso tem muito a ver com gestão das redes sociais. Ultrapassar o limite dessas redes dá muito trabalho e não é algo simples de se fazer. Hoje em dia, só pagando. Sabendo-se pagar, fazendo vídeo, talvez o artista obtenha sucesso. É um trabalho árduo e pesado. Diário, difícil. A mídia é medíocre. Há muitos anos, a música tem tido esse problema, nas rádios e TVs, que não criaram um público qualificado, mais interessado em música. As apostas da mídia, nos últimos 30, 40 anos, beiram a mediocridade. Isso é muito claro para mim. São gerações e gerações de gente medíocre. Por outro lado, há muitos trabalhos interessantes.  





 

O Brasil, em sua diversidade musical, mereceria uma secretaria dedicada ao setor, no Ministério da Cultura? Sim. Atualmente, os professores, a ciência, o povo da cultura e das artes viraram inimigos do projeto político em curso. Mas isso vai passar. Para além desse desgoverno, a música mereceria, sim, uma secretaria especial, dedicada ao setor. A música brasileira tem muita qualidade e divulga a marca “Brasil” mundo afora. 

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