domingo, 9 de outubro de 2016

Dedos em Som transforma diversidade em obra de arte


Cosmopolita. Assim pode-se definir a sonoridade da banda carioca Dedos em Som. Aglutinadores, o quinteto formado por Marcelo Cucco (saxofones), Tomas Gonzaga (piano/teclado), Martina Carvalho (percussão), Hugo Noguchi (baixo) e Gabriel Barbosa (bateria) lançou seu primeiro álbum - Dedos em som: corrupção, valores e vaidades - em 2015, com músicas como Bahia Veneno, Escola do Capão e De Repente. Mesclando cúmbia, samba, jazz, outros ritmos locais e universais, improvisando, de maneira particularíssima, uma sonoridade que pode ser facilmente apreciada por um público sedento por novidades, aqui e lá fora. Um dos instrumentistas da banda, Marcelo Cucco concedeu esta entrevista à Cena da Música Independente - CMIND. Confira!  


CMIND: Cucco, você é estudante de música da UniRio. Como vê a cena da música instrumental brasileira? Há espaço para todo mundo?
Marcelo Cucco: Estudo licenciatura para me formar como professor de música. Como estudante de professorado em música e músico ativo no cenário do Rio de Janeiro e outros estados, vejo um interesse grande da nova geração em explorar sonoridades instrumentais e, pela pouca oportunidade de apresentação com boa remuneração nas casas de show, vejo que muitos amigos têm procurado tocar bastante na rua. Acredito que as apresentações na rua, somadas ao fácil acesso às músicas de várias gerações na internet, têm sido fundamentais para desencadear este tipo de interesse por novas sonoridades. A música instrumental, que é a base de todas as canções, ganha força e liberdade neste contexto contemporâneo.

CMIND: Como e quando surgiu a ideia de formar a Dedos em Som?
Marcelo Cucco: Dedos em Som surgiu quando decidi trancar alguns períodos na faculdade para conhecer na prática os valores culturais do Brasil em suas cinco regiões. O Gabriel Carneiro, baterista e um dos compositores do primeiro álbum, foi junto, com o mesmo propósito. Nos deparamos com uma diversidade incrível - natural cultural... E isso foi um baita de um convite para chegar tocando e me envolvendo com o povo e a musicalidade de cada lugar. Muito inspirado e encantado com a percepção aberta a respeito do mundo como um todo, saíram várias composições e a musicalidade transbordou. Quando voltamos para o Rio de Janeiro, a ideia era apenas gravar um álbum, chamado "Dedos em Som: Corrupção, valores e vaidades"; mas, como aquela musicalidade estava tão contagiante, nós, músicos, pegamos a estrada e apresentamos, juntos, o som em várias cidades do Rio, Minas e Goiás. Assim, resolvemos virar uma banda mantendo a essência das vivências práticas e inspiração na multiculturalidade do mundo.

CMIND: Onde foram as primeiras turnês e como foi a receptividade do público?
Marcelo Cucco: A primeira turnê deu início assim que acabamos de gravar o primeiro álbum. Tocamos em Belo Horizonte, Diamantina, Milho Verde, Ouro Preto, Brasília e mais um monte de cidades que víamos na estrada, simplesmente pela curiosidade de conhecer os moradores e a reação do público com o nosso som. A reação que as pessoas têm, por incrível que pareça, é a mesma que temos quando estamos tocando. Elas dançam, se deixam levar, se surpreendem a cada instante. Ficam viajando em seus interiores, sentem a textura e a emoção de cada composição. Eu, pessoalmente, ao tocar com os Dedos em Som, me sinto contemplando a vida com seus mistérios e me permito ser levado, intuitivamente, como se estivéssemos sendo auxiliados por forças divinas emitindo cura para a alma e em conexão com a natureza.

CMIND: Atualmente, com a multiplicidade de pessoas produzindo conteúdo cultural, em tempo real - e por todos os lados -, as plataformas digitais vêm de fato colaborando na divulgação do trabalho de vocês? Como vencer a barreira da invisibilidade?  

Marcelo Cucco: Essa é a grande novidade da nossa geração. Nas nossas redes sociais, compartilhamos desde as vivências multiculturais na estrada, lançamento de novos trabalhos e shows. O mercado nunca esteve tão condicionado à economia e ao empreendedorismo quanto hoje, e isso por um lado torna a relação profissional mais fluida e natural. Por exemplo, amigos meus do Equador, Argentina e pessoas de outros continentes que assistiram um show nosso podem continuar nos acompanhando apenas pelo Facebook. Posso dizer que as plataformas digitais, a princípio, vêm ajudando o projeto a manter a sua essência espontânea, livre e em contato com pessoas de diversas localidades. Essas características têm uma importância fundamental no desenvolvimento estético na música dos Dedos em Som.

CMIND: No Brasil, ao tocar nas ruas de nossas cidades, vocês se deparam com muita repressão por parte do poder público?
Marcelo Cucco: Olha, na maioria das cidades não. Pelo contrário: as pessoas e as autoridades policiais se encantam. No Brasil, por exemplo, vale lembrar que existem poucas cidades grandes. Acho que esses conflitos se dão mais por conta de violência urbana. Pessoas que se estressam facilmente com qualquer coisa, que já desistiram de sobreviver em harmonia com as diferenças. É claro que precisamos respeitar locais onde seja exigido silêncio ou um fluxo livre. A intenção de tocar na rua nunca é de causar desordem e conflitos, mas proporcionar interatividade a aglomerar públicos voluntários para um entretenimento cultural. Na maioria das cidades pelas quais passei no Brasil e em outros países a receptividade foi ótima. As mídias e jornalistas locais, que geralmente recebem notificação da população para que não deixem de registrar novas expressões artísticas de graça, na rua, são acessíveis a todos. Além de ser um prazer, as pessoas se interessam mais em comprar CD ouvindo a banda tocando na rua do que na Internet. É muito carinho e afeto - levar alegria para a rua é uma satisfação incomparável!

CMIND: O que tem a dizer para as novas gerações de músicos brasileiros que pretendem se profissionalizar como artistas, num ambiente tão difícil, de muita luta por espaço e sobrevivência?
Marcelo Cucco: Ninguém nunca me disse "seja músico". Eu segui os primeiros anos da vida e algo mais forte do que minha consciência foi me levando para esse caminho da arte. As artes me fizeram ver que as pessoas são diferentes e que a diferença entre elas pode virar uma grande obra de arte. Quase depois de 10 anos como músico profissional resolvi fazer faculdade de música. Lá, aprendo muito e ganho bases para me inserir em diversas áreas do mercado. Ou seja, independendo das escolhas, sempre temos muito o que aprender e assim nos fortalecer no caminho.

O trabalho de Dedos em Som pode ser encontrado em http://www.dedosemsom.com/ e também no Facebook, Twitter, YouTube e no SoundCloud.


Texto: Saulo Andrade, jornalista.

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